segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Anticorpos Antifosfolipídeos e o Lúpus Eritematoso Sistêmico


Michelle Petri, M.D., M.P.H.
Associate Professor of Medicine
The John Hopkins University School of Medicine
Baltimore, MD


O que são anticorpos antifosfolipídeos?

Existem vários tipos de anticorpos antifosfolipídeos. Os mais vastamente analisados são os anticoagulantes lúpicos e o anticorpo anticardiolipina. Estes anticorpos reagem com fosfolipídeos, um tipo de molécula de gordura que é parte da membrana de uma célula normal. O anticoagulante lúpico e o anticorpo anticardiolipina estão intimamente relacionados, mas não são a mesma coisa. Isto significa que uma pessoa pode ter um e não o outro. Existem outros anticorpos antifosfolipídeos, mas eles não são analisados normalmente.

Quão comum são os anticorpos antifosfolipídeos?

Assim como acontece com outros auto-anticorpos (anticorpos direcionados contra si mesmo) no lúpus, os anticorpos antifosfolipídeos vêm e vão em qualquer paciente. Enfim, existem muitas maneiras de analisar esses anticorpos, e métodos diferentes podem não apresentar o mesmo resultado sempre. Por exemplo, em diferentes estudos, de 8 a 65% dos pacientes apresentam o anticoagulante lúpico, e 25 a 61% apresentam o anticorpo anticardiolipina. Esses anticorpos também podem ser encontrados em pessoas que não têm lúpus. Por exemplo, 2 porcento das mulheres jovens têm o anticorpo anticardiolipina. Esses anticorpos foram primeiramente descobertos nas pessoas com lúpus, mas não é preciso ter lúpus para ter esses anticorpos. De fato, na maioria dos estudos, mais de 50% das pessoas com esses anticorpos não têm lúpus. Nós ainda não compreendemos porque o sistema imunológico de uma pessoa começa a produzir esses anticorpos.

Por que os anticorpos antifosfolipídeos são tão importantes?

A presença de ambos -- anticoagulante lúpico e anticardiolipina -- é maior nos pacientes com lúpus que apresentam complicações trombóticas (coagulação do sangue) tais como, trombose venosa profunda ("thrombophlebitis"), derrame, gangrena e ataque cardíaco. Pesquisas sugerem que a presença desses anticorpos também pode aumentar o risco futuro de ocorrência trombótica. Descobriu-se que a anticardiolipina parece aumentada em mulheres lúpicas grávidas que tenham tido abortos. A combinação de problemas trombóticos, abortos e baixa contagem de plaquetas tem sido chamada de "Síndrome de Anticorpos Antifosfolipídeos". Não é preciso ter lúpus para ter essa síndrome. É importante para o médico preceber isso e checar pacientes que tenham tido um derrame, ataque cardíaco ou aborto sem razão conhecida para verificar se eles têm esses anticorpos.

Os anticorpos antifosfolipídeos interferem com as funções normais dos vasos sangüíneos ao causar um estreitamento ou irregularidades nos vasos (chamada "vasculopatia"), e também por causar coágulos nos vasos (chamado de "trombose"). Esses problemas nos vasos podem, então, levar à complicações como derrame, ataque cardíaco e aborto.

Como os médicos testam pela presença de anticorpos antifosfolipídeos?

Exames de sangue são utilizados para identificar os anticorpos antifosfolipídeos. Exames especializados que verificam a coagulação sangüínea são usados para descobrir o anticoagulante lúpico. O Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada (aPTT) é um exame de coagulação sangüínea bastante disponível que normalmente é utilizado. Se o aPTT der normal, exames mais sensíveis deveriam ser feitos para examinar o anticoagulante lúpico. Esses exames mais sensíveis incluem o modificado Russell viper venom time (RVVT), o procedimento de neutralização de plaquetas (PNP) e o tempo de coagulação kaolin (KCT). Se o exame de coagulação der elevado (o número de segundos que o sangue leva para coagular é maior), o médico irá suspeitar que o anticoagulante lúpico está presente. Isto é confuso, porque mesmo que o sangue leve mais tempo para coagular no tubo de ensaio, na realidade ele coagula mais facilmente no corpo da pessoa.

A anticardiolipina é medida num exame ELISA. Existem várias classes de anticardiolipina (IgG, IgM, IgA). É possível testar por todas essas classes de anticorpos ou o médico pode preferir examinar cada uma separadamente. O tipo IgG de anticardiolipina é o mais associado com complicações. Algumas vezes existem algumas dificuldades técnicas com o exame IgM, tornando mais difícil a interpretação do seu resultado. Alguns pacientes lúpicos com alto nível de anticorpo anticardiolipina têm um problema conhecido como anemia hemolítica, no qual seu sistema imunológico ataca suas hemáceas.

Uma vez que os anticorpos antifosfolipídeos vêm e vão, com que freqüência o médico deve fazer esses exames nos pacientes?

Atualmente não existe nenhuma recomendação acerca do tempo para repetição dos exames. Com certeza os anticorpos antifosfolipídeos deveriam ser checados em pessoas que tenham apresentado problemas trombóticos, abortos, ou baixa contagem de plaquetas.

Qual o tratamento para uma pessoa com anticorpos antifosfolipídeos?

Se um pessoa tiver o coagulante lúpico ou o anticorpo anticardiolipina, mas nunca tenha apresentado uma complicação trombótica, não há tratamento recomendado. Se um paciente tiver apresentado complicação trombótica e tenha esses anticorpos, o tratamento pode depender do local onde o coágulo (trombose) tenha ocorrido. No geral, o tratamento consiste em "afinar" o sangue para evitar futuros coágulos com o uso de aspirina ou warfarina (cumarina).

Qual o sucesso do tratamento em uma pessoa que tenha tido uma trombose (coágulo) em associação com esses anticorpos?

Alguns indivíduos que tenham sido inicialmente tratados com aspirina tiveram um segundo episódio de trombose e foram antão tratado com warfarina (cumarina). Poucos desses pacientes tiveram um segundo episódio de trombose enquanto usavam warfarina. Porém, o tratamento com warfarina parece ter sucesso. A duração necessária do tratamento não é bastante clara. Muitos médicos recomendam tratamentos de longo prazo ou mesmo para a vida toda para prevenir futuros episódios de trombose.

Se uma mulher tiver anticorpos antifosfolipídeos e estiver grávida, como ela é tratada?

Se a mulher tiver anticorpos antifosfolipídeos e estiver grávida pela primeira vez, ou tenha tido gestações normais no passado, pode ser aconselhado nenhum tratamento. Entretanto, se a mulher tiver apresentado abortos no passado, diferentes tipos de tratamento estão disponíveis, incluindo a aspirina, Prednisona e/ou aplicações subcutâneas de um "afinador" do sangue chamado Heparina. Gravidez de mulheres com anticorpos antifosfolipídeos são consideradas "de risco".

É necessário que o obstetra ou ginecologista trabalhe de perto com o reumatologista ou outro médico que avalie uma mulher com abortos devido aos anticorpos antifosfolipídeos. Abortos, especialmente no início da gravidez, não são raros. Mulheres que tenham tido múltiplos abortos devem ser examinadas para ver se apresentam anticorpos antifosfolipídeos como parte de uma avaliação obstétrica geral para se descobrir as causas desses abortos.

Qual o sucesso do tratamento de uma pessoa com lúpus, que tenha tido aborto em associação com esses anticorpos?

Até o momento, o tratamento de gestantes com anticorpos antifosfolipídeos para a prevenção de possíveis abortos não é bem compreendido. Algumas mulheres são ajudadas por combinações de aspirina, Prednisona e/ou heparina subcutânea, enquanto existem outras mulheres que continuam a ter aborto mesmo quando usam essa medicação. A heparina subcutânea é menos provável do que a Prednisona como causadora de diabetes e um aumento da pressão durante a gravidez. Outros tratamentos, incluindo plasmaferese ou gamaglobulina intravenosa, podem ser considerados em casos individuais.

www.camarpho.hpg.ig.com.br

Fonte: Shirley de Campos

Anticardiolipina

A cardiolipina é um fosfolipídio aniônico. A maioria dos anticorpos anticardiolipina (ACA) reage cruzadamente com outros fosfolipídios. Por essa característica e por sua maior facilidade de detecção, são utilizados na investigação da presença de anticorpos antifosfolipídios.

Assim como os anticorpos anticardiolipina, os anticoagulantes lúpicos (ACL) são também anticorpos antifosfolipídios. Interferem nos procedimentos de screening de coagulação, sendo uma causa comum de prolongamento do tempo de tromboplastina parcial ativado (PTT).

Existem algumas características clínicas comuns aos pacientes com a síndrome de antifosfolipídio (AFL): trombose venosa, trombose arterial, abortos recorrentes e trombocitopenia. Esses anticorpos são, hoje, reconhecidos como uma das causas mais importantes de hipercoagulabilidade e trombose.

Aproximadamente 50% dos pacientes apresentam a síndrome AFL primária, isto é, não-associada a doenças sistêmicas, enquanto o restante apresenta a forma secundária.

A trombose é a apresentação mais comum da síndrome de AFL, e o local da trombose (arterial ou venosa) pode definir síndromes com diferentes características clínicas e laboratoriais: anticardiolipina (AFL-ACA) -positivo e anticoagulante lúpico (AFL-ACL) -positivo.

A prevalência, a etiologia e a conduta dessas síndromes, relacionadas porém distintas, são diferentes. A apresentação AFL-ACA é mais comum do que a AFL-ACL. A relação de prevalência é de 5 para 1. Ambas estão associadas a tromboses, abortos e trombocitopenia.

A AFL-ACA está associada a trombose arterial e venosa, inclusive com quadros de trombose venosa profunda e embolia pulmonar, doenças coronariana e cerebrovascular prematuras. Em contrapartida, a síndrome AFL-ACL é associada mais freqüentemente a trombose venosa, que envolve os quadros de trombose venosa periférica, mesentérica, renal, hepática, sistema porta e veia cava. A trombose arterial raramente acontece na síndrome AFL-ACL. A atividade dos ACA em níveis elevados, na presença de ACL, é um fator de risco importante para trombose arterial.

Os abortos normalmente acontecem no terceiro trimestre da gravidez e são associados a trombose da placenta. Embora as mulheres com abortos espontâneos periódicos no primeiro trimestre possam ter AFL, outras causas de perda fetal no primeiro trimestre são mais comuns.

A contagem de plaquetas pode ser normal ou ligeiramente baixa. Aproximadamente 30% dos pacientes têm contagem de plaquetas abaixo de 100.000/mL durante o curso da doença. Paradoxalmente, esses pacientes ainda apresentam risco para trombose. O tratamento é iniciado quando a contagem de plaquetas encontra-se abaixo de 50.000/mL (especialmente quando abaixo de 35.000/mL), por causa do risco aumentado de sangramento.

Os anticorpos anticardiolipina são medidos por testes imunoenzimáticos. A utilização combinada da pesquisa desses anticorpos com o anticoagulante lúpico (ACL) melhora a sensibilidade para a descoberta de anticorpos antifosfolipídio. Aproximadamente 60% dos pacientes são positivos tanto para ACL quanto para ACA, e 40% são positivos somente para ACA ou ACL.

Podem ser encontrados associados a doenças como lúpus eritematoso sistêmico (LES), outras doenças do tecido conjuntivo, infecção pelo HIV e por outros microrganismos, neoplasias e o quadro induzido por droga. São encontrados em um pequena parcela da população sadia.

No LES, a presença do anticorpo anticoagulante lúpico ocorre em cerca de 70% dos casos . Na pesquisa de sífilis, pode levar a uma reação de VDRL falsamente positiva.

O diagnóstico de síndrome antifosfolipídio exige a constatação da presença de uma das características clínicas citadas e um teste positivo. Os testes podem ser o do anticoagulante lúpico, os de anticorpos anticardiolipina ou ambos.

Fonte: Diagnósticos da América

Anticoagulante Lúpico

Os anticoagulantes lúpicos (ACL) são imunoglobulinas da classe IgG ou IgM. Assim como os anticorpos anticardiolipina (ACA), os anticoagulantes lúpicos fazem parte da família dos antifosfolipídios e interferem nos procedimentos de screening de coagulação que dependem da presença de fosfolipídios. Constituem uma causa comum do prolongamento do tempo de tromboplastina parcial ativado (APTT).

Os ACL são espécie-específicos e são neutralizados pela adição de fosfolipídios (plasma rico em plaqueta). São anticorpos muito heterogêneos no que diz respeito às suas características imunológicas e à variação de complexos fosfolipídicos e proteicos que atuam como seu alvo antigênico.

Dados recentes sugerem que outras proteínas, como a proteína C, a proteína S e a trombomodulina, são também alvos para ACL.

Apesar da sua atividade anticoagulante in vitro, na prática os anticoagulantes lúpicos estão relacionados a manifestações tromboembólicas recorrentes arteriais (menos freqüentemente) e venosas, abortos repetidos, e, em certos casos, são encontrados em pacientes hígidos, assim como em diferentes situações clínicas, como doenças auto-imunes, neoplasias, quadros infecciosos virais, bacterianos e parasitários, distúrbios neurológicos e uso de alguns medicamentos.

A detecção laboratorial de ACL não deve ser baseada em um único teste. Deve-se realizar uma combinação de testes de screening com ensaios para excluir deficiências de fator de coagulação ou a presença de um inibidor de fator, os quais podem dar origem a resultados falso-positivos para ACL. Ou seja, a detecção deve ser realizada em etapas: screening para identificação da alteração; exclusão de déficit de fator, confirmando assim a presença de um inibidor e a caracterização do tipo de inibidor.

É importante também a interferência da heparina e dos anticoagulantes orais nos resultados, determinando, portanto, que o teste seja realizado somente após 2 semanas da suspensão dos anticoagulantes orais e 48 horas após a última dose de heparina.

Na avaliação da síndrome de antifosfolipídios, alguns dados indicam que os ensaios de ACL predizem com mais segurança trombose, perda fetal recorrente e trombocitopenia do que os ensaios para ACA. Entretanto, aproximadamente 60% dos pacientes são positivos tanto para ACL quanto para ACA, enquanto os 40% restantes são positivos apenas para ACA ou para ACL.


Fonte: Diagnósticos da América